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Amanda |
Para a antecipação do ICMS é necessária a prévia edição de uma lei ordinária e a substituição tributária depende de lei complementar. Em alguns casos, o fisco está deixando de observar esta questão legal e exigindo antecipação e em outros deixando de fazer a devida substituição tributária
O Imposto sobre as Operações de Circulação de Mercadorias e Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação (ICMS) é um tributo plurifásico, não cumulativo, que incide desde a produção até a comercialização das mercadorias ao consumidor final.
Devido ao elevado número de contribuintes presentes em uma mesma cadeia comercial e à evasão fiscal promovida pela informalização de determinados setores, Estados e o Distrito Federal são constantemente desafiados a buscarem mecanismos de controle da arrecadação. “Por este motivo, as sistemáticas arrecadatórias se tornam, assim, importantes ferramentas, pois permitem centralizar o momento ou a pessoa responsável por realizar o recolhimento do imposto, facilitando o trabalho fiscal”, afirma Amanda Gazzaniga, sócia do ButtiniMoraes Advogados.
Segundo ela, dentre essas sistemáticas destacam-se a antecipação e substituição tributária. Isto porque enquanto a primeira consiste na possibilidade de o tributo ser cobrado de forma antecipada em relação à materialização do fato gerador, a segunda se refere à transferência da responsabilidade pelo pagamento do imposto a um terceiro, não relacionado à ocorrência do fato imponível.
Ambas as possibilidades estão fundamentadas no § 7º do art. 150 da Constituição Federal (CF), que prevê que a lei poderá atribuir a sujeito passivo de obrigação tributária a condição de responsável pelo pagamento de imposto ou contribuição, cujo fato gerador ocorre posteriormente. “Isto, é claro, desde que assegurada a imediata e preferencial restituição da quantia paga, caso não se realize o fato gerador presumido”, acrescenta Amanda.
No entanto, acerca da substituição tributária, a Constituição esclarece, na alínea “b” do inciso XII, do § 2º de seu artigo 155, tratar-se de matéria reservada à lei complementar. Ou seja, enquanto para a antecipação do ICMS é necessária a prévia edição de uma lei ordinária, a substituição tributária depende de lei complementar. Porém, em ambos os casos, é substancial a existência de lei, em sentido estrito.
“Tendo isto em mente, passando-se à análise da Lei Complementar nº 87/96 (Lei Kandir), nota-se que, em consonância com a Constituição, seu art. 6º prevê a possibilidade de a lei estadual (em sentido estrito) atribuir, a contribuinte do imposto ou a depositário a qualquer título, a responsabilidade pelo seu pagamento (em relação a uma ou mais operações, sejam antecedentes, concomitantes ou subsequentes). Nesta hipótese, ele assumirá a condição de substituto tributário”, explica a advogada. Mas o dispositivo estabelece a necessidade de a lei estadual (também, em sentido estrito) indicar expressamente as mercadorias, bens ou serviços que estariam relacionados à tal atribuição de responsabilidade.
Já no art. 7º da Lei Kandir, o legislador permite que se considere a entrada da mercadoria ou bem no estabelecimento do adquirente ou em outro por ele indicado como fato gerador, para efeito de exigência do imposto por substituição tributária.
A par dessas considerações, o Estado de São Paulo, editou o artigo 426-A do RICMS/SP, acrescentado pelo Decreto nº 52.742/2008, no qual está prevista que, na entrada das mercadorias listadas nos artigos 313-A a 313-Z20 do RICMS, procedentes de outras unidades da Federação, o contribuinte paulista que é destinatário no documento fiscal deverá efetuar com antecedência o recolhimento (i) do imposto devido pela própria operação de saída da mercadoria; e, (ii) em sendo o caso, do imposto devido pelas operações subsequentes, na condição de sujeito passivo por substituição.
Ao buscar validar essa exigência (sobretudo considerando as diretrizes estabelecidas pela CF e pela Lei Kandir), o Estado paulista alega que o art. 426-A do RICMS teria respaldo no § 3º-A do artigo 2º da Lei Estadual nº 6.374/89, indica a possibilidade de exigência do pagamento antecipado do imposto, conforme disposto no regulamento do ICMS, relativamente a operações, prestações, atividades ou categorias de contribuintes, na forma estabelecida pelo Poder Executivo.
“Contudo, uma análise mais atenta da Lei Estadual nº 6.374/89 permite concluir que suas disposições não são suficientes para conferir validade ao art. 426-A do RICMS. Isso porque, primeiramente, o § 3º-A do artigo 2º da Lei nº 6.374/89, invocado pelo Fisco Paulista, traz conteúdo genérico e não específica as mercadorias que seriam alvo da exigência antecipada do imposto (como exigido pela Lei Kandir)”, alerta Amanda.
De acordo com a advogada do ButtiniMoraes, mesmo estendendo a análise a outros dispositivos da Lei nº 6.374/89, conclui-se que a antecipação pretendida pelo art. 426-A não está de fato prevista em lei. Em outras palavras, a tributação de eletrônicos (que estão listados dentre os bens sujeitos à sistemática do art. 426-A), não tem nenhuma previsão expressa na Lei Estadual nº 6.374/89 a obrigação de pagamento antecipado de ICMS por ocasião da entrada dessas mercadorias nos estabelecimentos adquirentes. Não havendo também previsão nesse sentido em lei complementar.
“O único registro que se tem até o momento no qual o próprio legislador complementar atribuiu responsabilidade ao comprador pelo recolhimento antecipado do imposto na entrada das mercadorias refere-se às operações envolvendo combustíveis, derivados de petróleo e energia elétrica, nos termos do art. 8º, XII da Lei Kandir”, detalha Amanda.
Assim, embora o art. 426-A do RICMS estabeleça a antecipação do recolhimento do ICMS próprio e do ICMS-ST em operações com eletrônicos, essa imposição viola a legalidade tributária, haja vista que feita apenas com base de decreto, quando a Constituição exige a edição de lei ordinária para a antecipação do ICMS próprio e, de lei complementar, para antecipação do ICMS-ST.
Corrobora tal alegação, uma decisão do Supremo Tribunal Federal ao analisar dispositivo de decreto gaúcho (que continha redação muito similar ao art. 426-A do RICMS/SP). No julgamento do RE 598.677/RS, recebido sob a sistemática de Repercussão Geral (Tema 456), o STF fixou a seguinte tese: “A antecipação, sem substituição tributária, do pagamento do ICMS para momento anterior à ocorrência do fato gerador necessita de lei em sentido estrito. A substituição tributária progressiva do ICMS reclama previsão em lei complementar federal.”
Na ocasião, o STF compreendeu à luz dos artigos 150, § 7º, e 155, § 2º, VII e VIII da CF, que a cobrança antecipada de ICMS, da forma como prevista no decreto gaúcho, incorre em ofensa ao princípio da reserva legal, sendo tal lógica plenamente aplicável ao caso da legislação paulista. Isto se comprova também por diversos precedentes do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que, ao analisar o art. 426-A do RICMS/SP, adotou, de forma análoga, o entendimento firmado pelo STF.
“Apesar disso, o fisco paulista parece pouco se importar com o cenário jurisprudencial que vem se desenhando e segue realizando diversas autuações com base no art. 426-A do RICMS/SP. Assim, é recomendável que os contribuintes busquem o Poder Judiciário, ainda que de forma preventiva, para afastar as exigências contidas no art. 426-A do RICMS/SP, se valendo, para tanto do entendimento fixado pelo Supremo Tribunal Federal em sede de Repercussão Geral”, conclui Amanda.