Alberto Rodrigo Patino Vargas*
A reforma da previdência proposta pelo governo federal tem como objetivo “oficial” garantir a sobrevivência do sistema de concessão de benefícios para as futuras gerações. Essa reforma se justificaria pelo aumento da longevidade do povo brasileiro, diminuição do número de filhos pelas famílias e como forma de contenção do déficit da previdência social.
De fato, com o aumento da longevidade, o sistema teria que pagar por mais tempo o benefício de aposentadoria. Com a diminuição do número de filhos pelas famílias, haveria menos contribuintes para o futuro próximo, o que seria insuficiente para financiar os idosos do futuro. Quanto ao chamado déficit da previdência como medida de contenção de gastos, alguns esclarecimentos merecem ser abordados.
A maior crítica que o governo recebe das classes sociais contrárias à reforma é que a proposta oficial só restringe o acesso aos benefícios previdenciários na medida em que torna mais duros os requisitos de concessão daqueles. Por exemplo, atualmente para a obtenção de benefício de aposentadoria por tempo de contribuição não existe idade mínima, sendo comum brasileiros conseguirem aposentadoria aos 53 anos. Com a reforma, respeitados outros requisitos, os homens só conseguirão se aposentar nessa modalidade se tiverem idade mínima de 65 anos. Para as mulheres a idade mínima será de 62 anos.
Com efeito, se um dos objetivos da reforma é conter o alegado déficit da previdência, porque a reforma não atinge o sistema de custeio, vale dizer, de onde provém as contribuições que financiam os benefícios da previdência social. Afinal, por questão de lógica, se o problema é a falta de dinheiro, as mudanças devem começar por aí. Contudo, é público e notório que o governo ao longo das décadas costuma perdoar dívidas previdenciárias de bilhões de reais de grandes devedores que possuem grande representatividade no Congresso Nacional. Aliado a isso, a Constituição Federal possui um mecanismo chamado de DRU (Desvinculação de Receitas da União) que permite ao governo desvincular até 30% das receitas da previdência social para outras finalidades. Assim, se perguntaria: Se há déficit, como admitir essas renúncias fiscais constantes e essa DRU?
Para contribuir com o debate, foi realizado uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) no Senado Federal para investigar se, de fato, existe ou não déficit na previdência social. O relatório final, apresentado nos últimos dias, demonstrou que não existe déficit nas contas da previdência social. Após analisar dados oficiais de receitas e despesas da previdência social, bem como todos os setores da sociedade, além do governo, o citado relatório final apontou, entre outras medidas, a necessidade de maior combate às fraudes, maior rigor na cobrança de grandes devedores e o fim do desvio de recursos da previdência social para outras finalidades.
Nessa mesma CPI, ganhou destaque negativo a propaganda do medo divulgada pelo governo federal nos meios de comunicação que mostraria um novo cenário desanimador ao trabalhador brasileiro que se sentiria obrigado a procurar uma previdência privada. Segundo o relatório final, isso traduziria em beneficiar os bancos. Aliás, cumpre destacar que, ao lado do governo, os grandes defensores da reforma proposta são os bancos.
No aludido relatório, ficou constatado que empresas devem 450 bilhões de reais! Infelizmente, apenas um terço desses valores são recuperáveis, uma vez que há brechas na legislação atual (como a prescrição das dívidas e a possibilidade de extinção da punibilidade para crimes contra a ordem tributária) que permitem aos devedores não pagarem essas dívidas.
A previdência social visa proteger a família brasileira e, por isso, o tema da reforma da previdência virá à tona de tempos em tempos por implicar adequar a realidade da previdência a evolução da família especialmente no tocante a natalidade e longevidade de seus membros. Nossa previdência social é baseada no princípio da solidariedade, também chamada de pacto das gerações, onde as gerações da ativa financiam aqueles que já estão na inatividade.
Em razão dessa cooperação mútua de gerações, a reforma da previdência é necessária para acompanhar essa mudança do perfil da família brasileira, mas certamente não da forma como proposta pelo governo federal que não muda na fonte dos problemas que estão no financiamento da previdência. Com efeito, a premissa da reforma defendida pelo governo federal é falsa, eis que não há déficit nas contas da previdência social.
*Alberto Rodrigo Patino Vargas, mestre em Direito Processual e Cidadania e Procurador Federal. É professor do curso de Direito da Universidade Positivo (UP) e professor de cursos de Pós-Graduação em Direito Previdenciário em diversas instituições de ensino. Atua também como professor de cursos de Aperfeiçoamento Profissional na Escola Superior de Advocacia na OAB-PR.